Carta enviada à diretora do IMEF

Rio Grande, 6 de setembro de 2010.
À
Diretora do IMEF
Profa. Dra. Denise Martinez

Prezada professora,

Ando querendo marcar um encontro para conversarmos sobre minhas impressões sobre o curso de Licenciatura da Física. Quero propor uma reunião com os professores e professoras envolvidos e registrar essas impressões no sentido de contribuir com as futuras reestruturações daquele curso.

Tenho tido conversas informais com o prof. Cristiano e prof. Marcos a respeito. Mas meus pedidos de nos reunirmos não têm sido atendidos dada a carga de trabalho de todos. Com o prof. Valmir cheguei a iniciar uma organização de proposta de trabalho com os estágios, mas não levamos adiante. Vimos que precisamos de uma proposta coletiva envolvendo todos os orientadores de estágio. Serviu para constatar que precisamos urgentemente de diálogo entre a Física e a Educação.

Não me sinto a vontade em traçar pareceres a este respeito. Por outro lado, me sinto na obrigação de desenvolver uma linha de raciocínio que possa colaborar com a tomada de consciência de que a divisão igualitária de atenção – que não observo – entre Licenciatura e Bacharelado só poderá melhorar a qualidade de ambas. Digo isto no sentido de se oportunizar as condições mínimas para instigar uma competição produtiva entre as ênfases, resultando em avanço nos respectivos níveis. Devemos lembrar que a universidade atual está constituída em licenciaturas e bacharelados. Pesando ainda sobre as licenciaturas o maior incentivo no que se refere ao aumento de vagas, obrigando-nos a dar conta dos compromissos assumidos com este aumento. Caberia perguntarmos se atualmente não seriam as licenciaturas as maiores financiadoras dos bacharelados.

Sei que cada instituto sabe de seus limites e possibilidades melhor que ninguém. Todos nós somos inteligentes e capazes de resolver problemas. Minha intenção é sincera, no sentido de que me sinto participante do curso em questão, uma vez que dedico atualmente 17h/a semanais ao mesmo, e por vários anos, desde 1999, procurei buscar a continuidade de minha formação, investigando sobre o ensino de ciências e de metodologia do ensino superior. Pude observar muitas diferenças no desempenho dos alunos nos últimos anos, que classificaria como preocupante. Trata-se aqui de avaliarmos com critério todo o caminho desse aluno, considerando o início (ingresso), o processo e os resultados. Indo mais além, realizar investigação para saber onde andam nossos egressos.

Na verdade, a falta de providências, no meu entendimento, muito se atribui a minha dificuldade de observar uma priorização de reflexão sobre a Licenciatura em Física. Dito pelos alunos, a ênfase atual é dada à Física Teórica. Reconhecendo a validade desta, como manter sua importância sem esquecer a outra?

De uma forma geral poderíamos dizer:

a) que tudo começa no ingresso do aluno no curso. Não há distinção inicial se ele está ingressando no bacharelado ou na licenciatura. A ambigüidade está na raiz. O aluno nasce, por assim dizer, indeciso. Impossibilitado de uma análise crítica que possa relacionar ciência e profissão, estará destinado a desenvolver análises sem clareza, sem profundidade, sem amplitude, ou seja, não críticas a respeito de sua identidade profissional e do que seja a ciência.

As suas decisões quanto a que caminho seguir serão guiadas, em grande parte, pelo comportamento dos professores. Mesmo que se considerem as condições prévias do aluno como fatores importantes de influência em suas decisões, o terreno universitário, sabemos, tem o poder de transformar destinos. Boa parte de nossas decisões são tomadas neste período.

Um fenômeno observado, recorrente, diz respeito aos níveis de dificuldades cognitivas apresentadas, que são muitas vezes analisadas pelos padrões vigentes como impossibilidade de cursarem a teórica, sugerindo então que assumam a licenciatura e até mesmo, que procurem outros cursos, avaliados como mais fáceis por entendimentos questionáveis.

b) Feita a escolha pela licenciatura, esta seria motivada pela vocação para a docência ou como alternativa ao possível fracasso como bacharel? A relação da opção pela docência como sintoma de consciência do fracasso é preocupante. A profissão de professor não pode ser encarada como opção menor. As futuras gerações de pesquisadores dependerão da formação de qualidade desses professores! A própria Física Teórica dependerá da demanda formada localmente. Mais um argumento para atenção ao ensino de Física.

c) Feita a escolha pela licenciatura como alternativa ao possível fracasso como bacharel, o que significa que pretende cursar os dois, esse aluno poderia realmente ser dedicado ao bacharelado, garantindo-se como egresso e futuro candidato a pós-graduação em Física? Melhor dizendo, este aluno com um pé na licenciatura e outro no bacharelado poderia realmente ser bom nos dois? Pelo que tenho observado, tenho muitas dúvidas com relação a esse tipo de licenciando. Estes tratam as ‘disciplinas pedagógicas’ como ‘mal necessário’ para obterem um certificado. Ficam fechados às tentativas de análises mais críticas alegando que não serão professores, embora estejam matriculados na licenciatura. O pior é que tenho observado nos últimos anos que esses mesmos alunos acabam se dirigindo a vagas de professor, porque raramente são bem sucedidos como bacharéis. Isto quando conseguem emprego de professor.

Nossos estudantes precisam ser informados de que a reflexão crítica amplia o potencial cognitivo e possibilita aprendizagens que vão além da motivação que levou àquela reflexão. Refiro-me ao desenvolvimento da capacidade de resolução de problemas. Este fenômeno da rejeição à análise crítica é flagrado com freqüência, quando leio em voz alta, fragmentos de textos de Einstein, que tratam de questões sociais ou de arte (ele tocava violino), sem dizer o nome do autor, perguntando a seguir quem é. Nem de longe acertam. Penso que deveríamos trabalhar com mais afinco a concepção de ciência, de ética e de estética, para mostrar que elas são indissociáveis. Nosso aluno não sabe disto.

d) Observo que o suporte às iniciativas da Física Teórica distancia cada vez mais a possibilidade de suporte à Licenciatura. O relato dos alunos é de que não valorizam o curso e em conseqüência disto não se sentem valorizados. Alerto que nossos egressos em licenciatura estão correndo o risco de partirem daqui sem acreditar na própria formação. Se ingressarem nas instituições de ensino como professores, estarão aptos a formar, lá na rede escolar, os próximos prováveis pesquisadores em potencial com o mesmo interesse e base para a aprendizagem da Física?

e) Ainda na organização do ensino na licenciatura, no que se refere às disciplinas pedagógicas, observo uma dicotomia entre projetos de prática pedagógica e as disciplinas pedagógicas curriculares. Exemplo: entre PIBID e a Didática das Ciências e Estágios, respectivamente. Bolsistas são colocados em escolas sem nunca terem tido uma aula de Didática. Chegam na disciplina alegando que já têm experiência e que portanto nada do que dissermos mudará seu pensamento. Perguntaria: qual experiência? Outro grave problema aqui diz respeito à autorização para o início do Estágio II. Sugiro que haja mais controle sobre isto, sincronizando a autorização dada pela secretaria à dada pelos professores do estágio. Alunos têm ido para a escola sem planejamento e sem minha autorização, criando um constrangimento inclusive para a sua reprovação.

Isto tudo poderia ser solucionado se pudéssemos trabalhar juntos. O trabalho coletivo poderia ser produtivo para todos, ao oportunizarmos um diálogo franco de audição de todas as falas, sem preconceitos e receios de invasão de competências. O trabalho coletivo poderia, além disto, otimizar nossos projetos/tempo de ensino, pesquisa e extensão. Impediria que repetíssemos procedimentos desnecessários ou pior ainda, que continuássemos demonstrando falta de critérios diante dos alunos.

f) Sobre os critérios de orientação do ensino, pesquisa e extensão: as demandas atuais de nossa universidade, em crescimento exponencial, vão exigir de todos nós, em todos os institutos, uma competência da qual não podemos mais fugir: saber trabalhar em grupos multidisciplinares. Daqui pra frente, poderemos observar que o fomento para o ensino, pesquisa e extensão será para esses grupos. Sabemos que este tipo de grupo já existe, mas tão-somente constituídos pela afetividade, ou seja, por pessoas que se aproximam principalmente por identificações pessoais. Teremos que avançar nesse sentido, reconhecendo também os grupos institucionais ligados para atender nossos alunos e alunas. Teremos que dar um salto de qualidade para chegar a um nível de excelência considerável. No meu entendimento, esse avanço será dado quando reconhecermos que ao unirmos forças com os envolvidos em nosso trabalho, independente dessa identificação pessoal de conveniências, poderemos otimizar tempo/energia e alcançarmos a realização feliz de nossos investimentos, dos individuais aos coletivos.

g) Cheguei no G. Teria uma proposição, voltando ao início desta fala. Penso que tudo começa no ingresso do aluno. A Física precisa forçar esta escolha do ingresso para iniciar o processo de identidade como professor ou como teórico, porque são diferentes. O primeiro precisa desenvolver uma relação de ensino e aprendizagem com a Física e o segundo precisa desenvolver uma relação mais solitária de investigação, com foco em determinado ponto da Física.

Acredito que esta postura emprestará também ao grupo de professores a possibilidade de trabalharem ‘sem culpa’, podendo exercer sua dedicação ao que sabem fazer melhor.
Em conseqüência, também proporia que definissem a formação de um corpo docente destinado à Licenciatura, com formação no ensino de Física. Nós, do Instituto de Educação, temos muito interesse em manter o diálogo permanente com todos os institutos. Muito nos alegra a idéia de poder receber professores e professoras desse instituto em nossos Grupos de Estudo e Pesquisa, no sentido de realizarmos uma prática docente e de pesquisa feliz para todos, reunindo esforços para aperfeiçoar nosso desempenho cada vez mais.
Melhor ainda se na próxima reestruturação do curso de licenciatura avançássemos definindo as disciplinas pedagógicas como colegiadas e presenciais. Seria uma forma de compartilharmos saberes e carga horária. Vocês fariam parte de nossas disciplinas e nós das suas. É uma sugestão.

Enfim, não disse tudo, porque preciso de interlocução. Gostaria de poder conversar com todos ainda neste ano, porque já está acontecendo um movimento de avaliação do Núcleo Comum das Licenciaturas em nosso instituto, a pedido da PROGRAD e eu poderia levar o entendimento da Física a respeito disto em nossas reuniões do IE.

No próximo ano não ficarei responsável por todas as disciplinas. Talvez sejam compartilhadas com outro professor do IE. Dependendo de minhas outras atividades, em crescimento, talvez me retire da Física, mas gostaria muito de deixar a minha contribuição depois de todos esses anos.

Com muito respeito a todos (as) colegas.

Aguardo comentários

Abraços

Profa. Dra. Virginia Maria Machado
Laboratório de Problematização e Intervenção Socioambiental – LAPIS
Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental - PPGEA
Instituto de Educação – IE
Universidade Federal do Rio Grande – FURG
Campus Carreiros – Sala B 14 – Pavilhão 4
Fone 53 3293.5001